INTRODUÇÃO A diarreia carateriza-se por uma mudança dos hábitos de defecação, com aumento no volume, liquidez ou frequência das fezes. Estas fezes são normalmente designadas de “moles”, não moldadas ou aquosas. A frequência diária de dejeções é diferente entre indivíduos saudáveis, na diarreia pode ser avaliada como uma alteração do ritmo intestinal do doente, com 3 ou mais dejeções por dia. Em geral, o fornecimento de líquido ao trato gastrointestinal é de 8-10 L/dia, incluindo a ingestão de 2 L/dia, a maior parte (mais de 90%) é absorvida no intestino delgado, sendo apenas 100 a 200 ml excretados diariamente nas fezes. Qualquer alteração no fluxo bilateral de água ou eletrólitos pode levar ao limite da capacidade de absorção, causando um aumento do volume de líquido e de solutos excretados – diarreia.1-5,7 A diarreia pode estar relacionada com uma simples alteração intestinal ou um sintoma de uma doença muito mais grave [síndroma de imunodeficiência adquirida (SIDA), infecções gastrointestinais ou doença de Crohn]. Pode ser aguda ou crónica. A diarreia crónica carateriza-se por uma emissão de fezes não moldadas persistente por um período igual ou superior a 1 mês. Estes casos devem ser referenciados à consulta médica, pois a diarreia pode ser um sintoma de uma doença crónica. Por outro lado, a diarreia aguda carateriza-se por um início súbito de emissão de fezes aquosas e uma duração de 2 a 3 dias. Todas as situações agudas graves e não controladas devem ser referenciadas para o médico.1,3,6 Independentemente da duração da diarreia, esta pode originar uma perda considerável de água e sais minerais (eletrólitos), componentes necessários à sobrevivência do doente. Os principais eletrólitos perdidos são sais de potássio, sódio, cloreto e bicarbonato. A reposição dos mesmos faz parte da terapêutica da diarreia, especialmente em indivíduos mais suscetíveis à desidratação e desnutrição: lactentes, crianças malnutridas, idosos e imunologicamente debilitados. As fezes líquidas, caraterísticas da diarreia, contêm mais eletrólitos e água e pesam mais que as fezes sólidas.1,3,4,7 Em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, a diarreia ocorre frequentemente e constituí a maior causa de malnutrição em crianças com menos de 3 anos. O consumo de água e alimentos contaminados e as más condições sanitárias são as principais fontes de contaminação e disseminação da doença/sintoma. Em países industrializados, apesar de continuar a ser uma das principais causas de hospitalização, produz uma menor percentagem de morbilidade e mortalidade infantil.3-5
ETIOPATOGENIA A etiologia da diarreia pode ser psicogénica, neurogénica, cirúrgica, irritante, dietética, osmótica, alérgica, por má absorção, infecção ou inflamação. A diarreia aguda é normalmente um sintoma decorrente de infecções bacterianas, virais ou parasitárias. Pode também ser induzida por fármacos ou de origem alimentar. Nas crianças a causa mais frequente de diarreia aguda é uma infecção viral (Rotavírus), nos adultos é uma infecção bacteriana (Salmonella, Escherichia Coli) geralmente proveniente da alimentação. Por outro lado a diarreia crónica pode resultar de múltiplos fatores, como uma diminuição da absorção, aumento da secreção ou patologias intestinais como a doença de Crohn.1,3-7 As principais causas de diarreia incluem:
Tabela 1: Etiologia da diarreia aguda infecciosa em países temperados.7
Tabela 2: Alimentos e fármacos que podem provocar diarreia.8
Tabela 3: Diagnóstico diferencial da diarreia aguda infantil.7
TIPOS DE DIARREIA De acordo com a sua fisiopatologia, a diarreia pode ser classificada em osmótica, secretora, por defeito de contacto com a mucosa e exsudativa.2,3,6,8 Diarreia osmótica A diarreia osmótica ocorre quando certas substâncias, tais como hidratos de carbono não digeríveis ou teores elevados de iões bivalentes e trivalentes, que não podem ser absorvidas pela corrente sanguínea permanecem e acumulam-se no lúmen intestinal. Estes solutos osmoticamente ativos, aumentam a pressão oncótica no lúmen, provocando a saída de água para o lúmen intestinal e fazendo com que uma quantidade excessiva de água permaneça nas fezes. Em geral esta diarreia cessa com o jejum. Certos alimentos (como algumas frutas, os feijões e as hermesetas ou adoçantes – usadas como substitutas do açúcar em alguns regimes dietéticos – doces e pastilhas elásticas) podem provocar diarreia osmótica.2,3,5,8 A deficiência em lactase também pode provocar uma diarreia osmótica. Esta enzima encontra-se normalmente no intestino delgado e é responsável pela conversão do açúcar do leite (lactose) em glicose e galactose, de tal forma que possam ser absorvidos e passar para a corrente sanguínea. Quando as pessoas com deficiência nesta enzima bebem leite ou consomem produtos lácteos, a lactose não é transformada, acumula-se no intestino e provoca diarreia osmótica. A intensidade desta diarreia depende da quantidade de substância osmótica que se tenha consumido. O quadro cessa logo que se deixe de ingerir ou beber aqueles produtos. A carência de lactase pode ser primária (mais frequente em indivíduos de raça negra e asiática) ou secundária (causada por gastroenterites virais, bacterianas ou protozoárias, kwashiorkor).2,8 Também os laxantes salinos com magnésio, os antiácidos ricos em magnésio ou a vitamina C podem causar diarreia osmótica. Outras causas incluem a ingestão de frutose ou sorbitol em excesso ou patologias que causem uma má digestão (insuficiência pancreática, doença celíaca).2,3,5 Diarreia secretora A diarreia secretora verifica-se quando o intestino delgado e o grosso secretam sais (especialmente cloreto de sódio) e líquidos para o lúmen intestinal, através da ação de enterotoxinas bacterianas, hormonas e alguns laxantes (como o óleo de rícinio e os ácidos biliares). Esta diarreia habitualmente não se altera com o jejum. As causas incluem infecções virais (rotavírus) e bacterianas (cólera, Escherichia coli enterotoxigénica, Staphylococcus aureus), protozoários (Giardia, Cryptosporidium), afeções associadas à SIDA, fármacos (teofilina, colchicina, prostaglandinas, diuréticos), síndrome de Zollinger-Ellison (produção excessiva de gastrina), tumores produtores de péptido intestinal vasoativo (VIP), tumores carcinóides (histamina e serotonina), carcinoma medular da tiroide (prostaglandinas e calcitonina), adenomas vilosos do colón distal (secreção direta de líquido rico em potássio), colite colagénica e diarreia colerreica.2,3,6,8 Diarreia por defeito de contacto com a mucosa intestinal A diarreia por defeito de contacto com a mucosa intestinal resulta de uma proliferação bacteriana anormal e da aceleração do trânsito intestinal. Em ambas as situações ocorre uma redução dos processos de digestão e transporte de nutrientes, água e eletrólitos.3 O sobrecrescimento bacteriano (crescimento anormal da flora intestinal ou o desenvolvimento de bactérias que normalmente não se encontram no intestino) pode provocar diarreia. As bactérias intestinais normais desempenham um papel importante na digestão, portanto, qualquer alteração da sua população pode provocar diarreia.8 Diarreia por alteração do trânsito intestinalPara que as fezes adquiram uma consistência normal, devem permanecer no intestino grosso durante certo tempo. As fezes que abandonam o intestino grosso muito depressa são normalmente aquosas e as que permanecem demasiado tempo ficam duras e secas. Quando ocorre a alteração do controlo coordenado da propulsão intestinal, a diarreia é intermitente ou alternada com períodos de obstipação. Muitas afeções e tratamentos diminuem o tempo em que as fezes permanecem no intestino grosso, como a tiroide hiperativa (hipertiroidismo), o tratamento para as úlceras em que o nervo vago é seccionado, as prostaglandinas, diabetes mellitus, insuficiência supra-renal, infestações parasitárias, estados de hipersecreção de gastrina e péptido intestinal vasoativo, amiloidose, fármacos como os antiácidos e os laxativos que contêm magnésio, antibióticos (eritromicina), colinérgicos, disfunção neurológica primária (doença de Parkinson), hemorragia gastrointestinal alta, a síndrome do cólon irritável e até a ingestão de cafeína.2,6,8 Diarreia exsudativa A diarreia exsudativa ocorre quando a mucosa do intestino grosso se inflama, se ulcera ou se torna tumefacta e liberta proteínas, sangue, muco e outros líquidos, o que aumenta o volume e o conteúdo líquido das fezes. Habitualmente as fezes contêm leucócitos polimorfonucleares, bem como sangue oculto ou macroscópico. Este tipo de diarreia é originado a partir de certas doenças como a colite ulcerosa, a doença de Crohn, a tuberculose, o linfoma, isquémia intestinal e o cancro (quimioterapia). Entre as diversas infecções bacterianas destacam-se as provocadas pela Clostridium difficile (frequentemente induzida por antibióticos).2,3,6,8
Tabela 4: Tipo de diarreias e as suas causas.3
SINAIS E SINTOMAS Dependente da suscetibilidade do doente, do seu grupo etário e do seu estado nutricional, a diarreia aguda pode acompanhar-se de diferentes sintomas, de maior ou menor gravidade:
Tabela 5: Apresentação clínica da diarreia.6
DESIDRATAÇÃO A diarreia pode causar desidratação por perda de fluidos e eletrólitos. A desidratação é particularmente perigosa em crianças, idosos e doentes com o sistema imunitário enfraquecido. Este sintoma se não tratado imediatamente, pode originar problemas graves de saúde, como lesões em diferentes órgãos, choque ou mesmo coma.1,4
Tabela 6: Principais sinais e sintomas de desidratação em crianças e em adultos.1
Em situações mais graves a desidratação pode levar a choque com perda da consciência, a uma pressão arterial baixa ou praticamente indetetável, pulso rápido, respiração acelerada, e a nível cutâneo, extremidades húmidas e frias e pele seca e pálida.4 O grau de desidratação pode ser avaliado de acordo com os parâmetros do quadro seguinte:
Tabela 7: Grau de desidratação.7
Depois de avaliado o estado de hidratação do doente, é possível decidir como e onde tratar.
PREVENÇÃO As principais medidas de prevenção da diarreia aguda incluem:
TRATAMENTO Não Farmacológico O controlo da alimentação e da dieta é a principal prioridade no tratamento da diarreia. Deve ser feita uma dieta abundante em líquidos com a introdução gradual dos alimentos sólidos a partir das 24 horas ou à medida que a diarreia for controlada (banana madura, arroz branco, iogurte natural, pão branco tostado, cenouras e batatas cozidas ou frango assado sem pele e gordura). No primeiro dia, e enquanto a diarreia persistir, deve evitar-se a ingestão de alimentos ricos em gordura, fibra, produtos lácteos, cafeína e o álcool. O iogurte natural é melhor tolerado que o leite, pois normalmente tem menos lactose.1,3,6 Apesar de beber muita água ser uma boa medida de prevenção da desidratação, a água não contém os eletrólitos perdidos na diarreia. Por essa razão, recomenda-se que os adultos bebam líquidos que contenham eletrólitos, como sumos naturais de frutas, bebidas desportistas, refrigerantes sem cafeína e caldos.1 Nos lactentes alimentados com leite materno as fezes normais podem ser confundidas com diarreia. É importante manter o aleitamento materno, pois este confere fatores de resistência a infecções. Além disso, deve confirmar-se sempre a preparação dos biberões, visto que, não raramente, a diluição é causa de distúrbios hidroeletrolíticos importantes. Assim que a diarreia parar, os profissionais de saúde, juntamente com os pais devem encorajar os filhos adoentados a retomarem uma dieta saudável e completa.1,7 Farmacológico Os fármacos para as situações de diarreia disponíveis, são administrados com o objetivo de compensar as perdas de água, de eletrólitos e nutrientes (tratamento sintomático das carências), de inativar o agente causal da diarreia (diarreia infecciosa) ou controlar os sintomas. 1. Terapêutica com fluidos A perda de líquidos e de eletrólitos é uma das consequências da diarreia, sendo particularmente perigosa em lactentes, crianças e idosos. Nos casos que se acompanham de desidratação ligeira a moderada, a terapêutica pode ser efetuada em ambulatório e visa não só a correção e prevenção da desidratação, mas também a realimentação. Utiliza-se para isso soluções de reidratação oral (SRO) ou solutos glucoeletrolíticos. Estas soluções não estão indicadas para suprimir uma diarreia, mas sim para manter a hidratação e o equilíbrio eletrolítico. Não existem contraindicações, a não ser em doentes com emese frequente. A glucose é essencial para a absorção de eletrólitos como o sódio, e o bicarbonato para a correção da acidose.3,7,9 A quantidade de solução a administrar varia consoante o grupo etário, a perda de peso e o estado de desidratação.7
Tabela 8: Composição e osmolaridade das soluções de reidratação oral (SRO).7
Para evitar quadros de hipernatrémia, as soluções devem ser hiposmolares (Na- 60 mmol/L e glucose- 74-111 mmol/L). Não se recomenda por isso a utilização de soluções eletrolíticas caseiras devido ao facto de poderem ficar desequilibradas e conduzir ao aparecimento de situações de hipernatrémia e/ou exacerbação da diarreia com soluções hiperosmóticas.3,7,9 2. Substitutos da flora intestinal A flora do trato intestinal é complexa e o seu equilíbrio desempenha um papel importante na manutenção da função intestinal, na nutrição e no estado geral de um indivíduo. Existem no mercado farmacêutico várias preparações de Lactobacillus e leveduras, para restabelecer a flora intestinal. No caso de o doente estar a tomar antibiótico, a toma dos lactobacilos deve ser feita espaçada da toma do antibiótico, para este não inativar o efeito dos lactobacilos.3,6,8,9 3. Anticolinérgicos Os anticolinérgicos reduzem o peristaltismo intestinal, são por isso úteis no tratamento da diarreia resultante de um aumento do tónus e do peristaltismo intestinal. Os alcaloides da beladona só são eficazes quando são administrados em doses elevadas, contudo têm uma margem terapêutica estreita, especialmente em crianças. Não devem ser administrados em doentes com glaucoma, em doentes idosos ou em crianças com idade inferior a 6 anos. São normalmente administrados com formulações de adsorventes.3,6,9 4. Adsorventes Apesar de a sua eficácia não estar totalmente demonstrada, são dos antidiarreicos mais usados em diarreias ligeiras. A sua ação não é seletiva, pois podem adsorver diferentes substâncias desde certos nutrientes, e enzimas digestivas, até toxinas, bactérias e certos medicamentos. Incluem o caulino, a pectina, o carvão ativado, o atapulgite, os sais de bismuto e o tanato de albumina.3,6,8,9 5. Modificadores do trânsito intestinal Estes fármacos incluem o ópio, a codeína, o difenoxilato e a loperamida. Os derivados do ópio são depressores do sistema nervoso central e podem retardar a progressão do conteúdo gástrico até cerca de 12 horas. Assim como os fármacos antiperistálticos (difenoxilato e a loperamida), os derivados do ópio, estão indicados no tratamento da diarreia de causa não infecciosa. A loperamida pode agravar os efeitos de uma invasão microbiana, por atraso na eliminação das bactérias e das toxinas pelas fezes. É por isso eficaz no alívio de cólicas abdominais e na perda de fluidos. Não é recomendada a administração da loperamida em crianças com menos de 24 meses de idade. Em caso de febre, este antidiarreico não deve ser administrado.3,6-9 A prescrição de antibióticos só deve ser recomendada em situações diagnosticadas de diarreia infecciosa (normalmente com sangue), causada por bactérias ou parasitas. Nas crianças, os antimicrobianos só estão indicados nos casos de doença invasiva por Salmonella typhi e Shigella ou na amebíase e também na giardíase.3,7
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS |
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com o apoio de: Korangi Produtos Farmacêuticos, Lda. |
© UBM Medica Portugal. Maio de 2012 |